O papel do Estado no desenvolvimento da inovação no Brasil

Iniciativas de Estado buscam aproximar os três entes que se colocam com os motores da inovação em um país: o Governo; a iniciativa privada; e as instituições de pesquisa e universidades. Esses três entes são interdependentes e complementares - se faltar qualquer um deles, a inovação tem seu alcance reduzido.

Muito se fala em inovação, na capacidade das empresas e das pessoas em inovar. É relativamente fácil visualizar isso nos âmbitos empresarial e pessoal – as empresas ganham competitividade quando inovam e desenvolvem novos produtos, processos industriais, modelos de negócios, estratégias comerciais e por aí vai. As pessoas inovam quando conseguem resolver problemas de uma maneira diferente, quando tomam atitudes novas ou passam a enxergar o mundo sob uma nova perspectiva e transformam suas ações a partir dessa mudança. Tudo isso é inovação e acontece a todo instante, com resultados relativamente rápidos, concretos e fáceis de se reconhecer.

Quando se pensa em um país, no entanto, nem sempre é tão fácil enxergar a inovação.

O que se vê ao olhar para o Estado – e o Estado brasileiro não é exceção – é uma operação conservadora, voltada à repetição de modelos antigos e engessados. Obviamente, há exceções. O Brasil possui polos de excelência em inovação e pesquisadores vinculados ao setor público com renome internacional. Infelizmente, esses casos são poucos, isolados e, em grande escala, ignorados.

A real função do Estado em relação à inovação

O que a maioria das pessoas desconhece é que essa visão que se tem do Estado não representa a totalidade da situação. Há iniciativas valiosas que tentam mudar esse cenário – e isso já está acontecendo, talvez não na velocidade que os pesquisadores, cientistas e empresários gostariam, mas o movimento já começou. Com a publicação de leis e normas que facilitam e incentivam a inovação, como a Lei da Inovação (Lei Nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004), o Marco de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei Nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016), a Lei do Bem (Lei Nº 11.196, de 21 de novembro de 2005) e vários normativos federais, estaduais e, em alguns casos, municipais, o Estado busca aproximar os três entes que se colocam como os motores da inovação em um país: o Governo, com sua capacidade normativa e regulatória; as empresas, que têm o termômetro do mercado e a capacidade de introduzir a inovação na sociedade; e as instituições de pesquisa e universidades, que concentram os pesquisadores capazes de criar e aplicar novos conhecimentos em benefício de problemas reais do País. Esses três entes são interdependentes e complementares – sem um deles, a inovação tem seu alcance reduzido.

No ano passado, foi publicado o Decreto Nº 10.534, de 28 de outubro de 2020, que institui a Política Nacional de Inovação. A PNI tem como finalidades declaradas:

I – orientar, coordenar e articular as estratégias, os programas e as ações de fomento à inovação no setor produtivo, para estimular o aumento da produtividade e da competitividade das empresas e demais instituições que gerem inovação no País, nos termos do disposto na Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004; e

II – estabelecer mecanismos de cooperação entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para promover o alinhamento das iniciativas e das políticas federais de fomento à inovação com as iniciativas e as políticas formuladas e implementadas pelos outros entes federativos.

Ao orientar, coordenar e articular estratégias, programas e ações de fomento à inovação, o Estado se coloca em uma posição fundamental para promover a interconexão entre aqueles três entes – governo, iniciativa privada e instituições de pesquisa – e lançar as bases para um avanço significativo e planejado para a inovação no Brasil. A PNI também prevê a alocação de recursos governamentais para a identificação de produtos, serviços e soluções tecnológicas que atendam à prioridade definida pela Câmara de Inovação, órgão deliberativo destinado a estruturar e a orientar a operacionalização dos instrumentos e dos processos necessários para a implementação da Política Nacional de Inovação.

Outro avanço importante – e bem recente – foi a publicação da Estratégia Nacional de Inovação e dos Planos de Ação para os Eixos de Fomento, Base Tecnológica, Cultura de Inovação, Mercado para Produtos e Serviços Inovadores e Sistemas Educacionais. A ENI foi instituída através da Resolução CI Nº 1, de 23 de julho de 2021, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações / Câmara de Inovação. A ENI estabelece metas concretas, quantificadas, do que se espera em termos da evolução da inovação no Brasil para o período de 2021 a 2024, o que dá um norte real para que instituições de pesquisa, empresas, órgãos e outros atores do ecossistema inovador brasileiro possam direcionar seus esforços e captar recursos. Além das metas, a ENI traz eixos e iniciativas estratégicas prioritárias, ações para a promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação e outras diretrizes. A resolução foi embasada em um Apêndice Teórico da Estratégia Nacional de Inovação – algo pouco visto na história brasileira -, elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e representantes do ecossistema de inovação e de vários ministérios e órgãos do Poder Executivo Federal.

Financiamento da inovação continua mal resolvido

Tanto a PNI quanto a ENI são muito eficazes em estabelecer metas, prioridades e instrumentos legais para viabilizar a inovação. No entanto, a maioria das ações espera que o financiamento seja subsidiado total ou parcialmente pela iniciativa privada. Não há problema nisso – afinal, as empresas receberão royalties e lucros pela comercialização do resultado da inovação desenvolvida, enquanto a sociedade colherá os benefícios pela inserção de novos produtos, com melhor qualidade e condições de atender as necessidades identificadas. Mas essa estratégia de financiamento deixa de fora 90% das empresas brasileiras – aquelas enquadradas como micro, pequenas e médias empresas -, pois elas não possuem faturamento suficiente para investir em projetos de inovação na escala necessária para trazer realmente resultados que alcancem parcela significativa da população ou que tenham impacto relevante no cenário nacional. Salvo poucas exceções, apenas grandes empresas – com faturamento acima de R$ 300 milhões/ano – têm capacidade de alocar recursos financeiros em projetos de inovação que podem alcançar ou não os resultados esperados, isso porque uma característica dos projetos de inovação é justamente a incerteza de que os objetivos iniciais serão alcançados.

Portanto, embora faça parte do processo, depender exclusivamente da iniciativa privada para financiar a inovação ao nível nacional não é uma alternativa viável, especialmente quando se desejam resultados num prazo tão curto – a ENI traz metas para somente mais três anos, até 2024.

Por outro lado, os governos federal e estadual – e os municipais, em alguns casos -, além de fundos setoriais e outros órgãos específicos, dispõem de recursos destinados à pesquisa científica e à inovação. A rede de Fundações de Apoio à Pesquisa dos estados financia projetos de instituições e pesquisadores a fundo perdido; setores específicos, como de energia, telecomunicações e outros, obrigam as empresas concessionárias a destinar parte da receita aferida pela comercialização dos serviços ao desenvolvimento científico e tecnológico do setor; parcerias com organizações internacionais também trazem recursos para projetos de inovação que tenham impacto social.

O interessante nessa situação é que parte significativa dos recursos disponibilizados por esses órgãos acaba não sendo aproveitada por falta de projetos. Para ter uma noção desse volume, basta acessar os sites das Fundações de Apoio à Pesquisa de alguns estados e verificar quantos editais tiveram os prazos para submissão de propostas estendidos.

Há vários motivos para essa situação, destacando-se a falta de uma diretriz geral que alinhe os projetos (e que talvez melhore com a publicação da ENI); os recursos disponibilizados para cada projeto, muitas vezes aquém do necessário para alcançar os objetivos propostos nos próprios editais de financiamento; os valores das bolsas de apoio aos pesquisadores, que inviabilizam a dedicação integral a um projeto de longo prazo e levam mestres e doutores a encarar a inovação como mero adicional ao seu salário; a baixa qualidade dos próprios editais, muitas vezes contraditórios e com pouca clareza quanto ao que se espera das propostas e dos projetos que serão financiados… Enfim, há muito espaço para melhoria.

Quanto aos fundos setoriais, há problemas semelhantes, mas com complicadores adicionais que, caso sejam melhor tratados, poderiam gerar mudanças importantes. Um dos principais desafios é que, na maioria dos fundos, a destinação dos recursos é decidida pelas próprias concessionárias, que priorizam projetos que tragam benefícios para elas próprias ou que trabalham temas com pouco impacto global, ao invés de trazer benefícios para o setor. Basta olhar a relação dos projetos financiados para identificar que a maioria traz objetos de pesquisa distantes da realidade do setor, ou que trabalham aspectos extremamente restritos a uma situação específica e de interesse da concessionária. Novamente, há exceções, e é de se esperar que as concessionárias valorizem projetos que tragam benefícios a elas mesmas. A questão, aqui, é a distância entre o que é e o que poderia ser. Os recursos setoriais chegam a montantes relevantes, capazes de financiar projetos de inovação de grande impacto, mas o dinheiro acaba disperso em propostas e aplicações pontuais, com escopo reduzido e que, no fim, contribuem pouco para o setor e para a melhoria das condições do País.

Uma luz no fim do túnel

Há muita estrada pela frente quando se pensa em inovação sob a perspectiva de um país, especialmente com as dimensões e características do Brasil. Mas o importante é ter a consciência de que o processo de construir a inovação no âmbito de uma nação requer compromisso, investimentos e expectativas de longo prazo. Não se constrói uma cultura e um ecossistema de inovação de um dia para outro – é preciso paciência, resiliência, planejamento e recursos financeiros e humanos. Por isso, iniciativas como a Política Nacional de Inovação e a Estratégia Nacional de Inovação, caso de fato se transformem em realidade, são tão importantes para o País: mais do que um programa de governo, são instrumentos de Estado, que devem perpassar várias administrações e focar em metas de longo prazo.

Somente dessa forma a inovação se transformará em algo que caracteriza o Estado brasileiro e colocará o Brasil em posição de destaque no cenário internacional. Apenas assim, como diria Carl Sagan, acenderemos a nossa vela na escuridão.

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